Escalada no ar rarefeito: a conquista do pico La Esfinge

Escalada no ar rarefeito: a conquista do pico La Esfinge

Escalada no ar rarefeito: a conquista do pico La Esfinge

Por Cauí Vieira

Oito dias após desembarcarmos no Peru tiramos nosso primeiro dia de descanso total, em um hostel em Huaráz. A semana anterior foi de escalada/aclimatação nas belas vias esportivas de Hatun Machay (também conhecida como Floresta de Pedra), onde passamos frio e sentimos os efeitos da altitude no corpo pela primeira vez.

O parceiro desta empreitada foi o curitibano Otto, companheiro de cordada em outras roubadas semelhantes.

Aproveitamos nosso dia de descanso para comer bem, coletar informações e planejar o dia seguinte. A ideia era tentar subir alguma montanha com 5 mil metros de altitude, para aclimatar melhor e chegar com mais fôlego no nosso objetivo principal da trip: La Esfinge (5325m).

O trekking de aclimatação

Como o tempo era curto, seguimos a sugestão de tentar subir o Rima Rima, uma montanha visível da cidade de Huaráz, com pouco mais de 5 mil metros de altitude, que seria possível fazer em um dia.

Segundo nosso informante, a caminhada seria de cerca de 5 horas ida e volta, com um trecho final de escalada fácil. Pegamos as dicas sobre o acesso e fomos dormir, pra tentar subir o Rima Rima e voltar pro hostel no dia seguinte.

Acordamos cedo e pegamos um taxi, que rodou 20km e nos deixou no ponto da estrada por onde começava a caminhada, a cerca de 4ooo m de altitude. Andamos muito devagar, parando muito e nos sentindo muito cansados.

Cinco horas depois, chegamos a 4900m. Ainda faltava muito, e pelo cansaço e pela hora, resolvemos descer dali mesmo. Foram duas horas de volta até o ponto de onde começamos, mais 7 km até encontrar uma van que nos levou de volta à cidade.

 

Caminhada até a base da via Ruta 85, no pico La Esfinge

Caminhada até a base do pico La Esfinge

Não fizemos cume, nem ultrapassamos os 5 mil, que seria bom pra aclimatação.

Ficamos um pouco preocupados com nosso desempenho aquém do esperado, mas seguimos com nosso objetivo principal.

O dia seguinte foi de descanso em Huaraz, fizemos compras e coletamos  informações sobre o transporte até a Esfinge.

 

Rumo aos 5 mil metros

Dia 14 de junho de 2018 saímos do Hostel Big Mountain e tomamos um ônibus para a cidade de Caraz (7 soles/2h/60km). Chegamos às 8h, andamos até o mercado e pegamos um táxi (85 soles/1h30) que nos levou à Laguna Paron, ponto inicial da caminhada.

Paga-se uma taxa de entrada de 5 soles, e essa estrada que percorremos de taxi é impressionante, ela sobe por um vale cercado de paredes que facilmente chegam a 1000m de puro granito. A Laguna Parón também impressiona por sua beleza.

Começamos a caminhar rumo à Esfinge às 9h40, chegando ao acampamento base após 4h de caminhada. Ficamos muito felizes, pois esse é o tempo médio estimado pelo Guia de Escalada de Huaraz, afinal não estávamos tão mal assim!

Coletamos água, armamos uma barraca que usaríamos caso o bivak (cova protegida do vento a 15min da base da via) estivesse lotado, o que não foi necessário. Mais uma hora de caminhada e chegamos à tal cova, que estava vazia! Levamos os equipamentos para a base da via, e voltamos pra jantar e dormir.

Para essa caminhada fui com o meu Five Ten Guide, tênis que levei na mochila durante a escalada, pois a descida é por um caminho diferente, ele foi uma boa pedida, pois combina conforto/precisão com leveza. Para quem interessar, a colega escaladora Bianca Castro fez um review muito bacana do Guide aqui mesmo no blog da SBI)

 

A Esfinge

Dia 15 acordamos 4h30 da manhã, após uma noite até que bem agradável a 4700 metros de altitude.

Tomamos um café e antes das 5h30 estávamos na base da via. Começamos a escalar pouco antes das 6h, ainda no escuro, com a luz das headlamps. A rota escolhida foi a Via Del 85, a rota “normal” da montanha. São cerca de 750m de puro granito, graduada em 6a, com crux’s de 6c (graduação francesa), que podem ser feitos em A1. Seu cume está a 5325 metros em relação ao nível do mar.

Escalamos com uma corda simples de 80m, e levamos um cordelete de 60m na mochila, apenas pro rapel. Levamos água, tênis, anorak e começamos a escalar vestidos com a pluma e luvas. Optamos por não levar nada para bivak, o que nos deixaria mais rápidos, mas se algo desse errado, estaríamos numa fria.

Fenda na primeira metade da via

Granito puro.

Escalei com a Moccasym, um número maior que o meu e com meias grossas, precisão necessária e conforto pra ficar um dia inteiro calçado.

Emendei as duas primeiras enfiadas, relativamente fáceis. Não cabem muitas peças nesse trecho, mas existem alguns pitons, inclusive ao longo de toda a primeira metade da via. Otto pegou as próximas duas enfiadas, também em uma tacada só, depois eu emendei até a P6, santa corda de 80m!

Outro detalhe técnico que nos permitiu fazer isso foi termos levado dois jogos de camalots em vez de um, como recomendado em muitos relatos de quem escala a via em um dia. Levamos também o #4, que não me arrependo, e claro, os micros.

A sétima enfiada foi do Otto, e pareceu a mais dura e constante da via, e a partir dela, seguimos de uma em uma enfiada, até o Platô das Flores. Este platô é usado como local de bivak pra quem opta por fazer a via em dois dias, ele divide duas partes do desafio: a primeira, de maior dificuldade, porém bem óbvia quanto à navegação, e a segunda parte, mais fácil, porém com diversas possibilidades de caminhos a seguir.

Chegamos ao Platô às 11h15, um bom horário pra um dia de escalada, mas já nos sentíamos super cansados. Lanchamos, bebemos um pouco de água e guiei o lindo diedro depois do platô, daí pra cima fomos nos arrastando, e nos mantendo relativamente bem na navegação.

Só nos perdemos lá pela 15ª enfiada, mas “descobrimos” nosso caminho e, às 17 horas e 45 minutos, chegamos ao cume!

Tiramos algumas fotos que ficaram bem ruins, mas são o registro de um objetivo alcançado com muito planejamento, estudo e acima de tudo, vontade! Nosso primeiro 5 mil, La Esfinge, Cordillera Blanca, Peru.

 

Um longo caminho de volta

Caminhamos pela crista da montanha, por cima dos blocos, rumo à via de rapel, que fica na parte mais baixa da parede, e está sinalizada com totens apenas no ponto de rapel mesmo, então pode caminhar com fé, que ela está lá!

São três rapéis ao todo: 60m/30m/60m, praticamente em linha reta, e todos os pontos de ancoragem estão em bom estado. Ao final do terceiro rapel, descer caminhando meio em diagonal para a esquerda, até acessar a moraina, que leva ao ponto de bivak.

Terminamos o rapel às 19h e descemos cambaleando pela moraina até a cova, onde chegamos às 20h20, jantamos e dormimos, para no dia seguinte voltar à civilização e depois para casa.

Aclimatação sem dúvida deixou a desejar: 10 dias foi insuficiente, não chegamos nem perto de escalar com nossa capacidade normal mas foi como deu para fazer. Respeito aos montanhistas de grandes altitudes, deu pra sentir na pele e nos pulmões o quanto é difícil! Que esse relato sirva de inspiração para quem quer escalar a Esfinge, ou qualquer montanha por aí!

Caso alguém precise de alguma informação específica, não deixe de entrar em contato: cauivc@gmail.com.

Cauí Vieira e Otto no topo do La Esfinge, na Cordillera Blanca, Peru

A selfie da vitória a 5325 metros de altitude!

Felipe Fontes

Ciclista apaixonado, escalador iniciante e jornalista nas horas vagas. Largou tudo e viveu em sua bike por três anos, desbravando 18 estados brasileiros e 13 países em dois continentes. Hoje vive de tomar banho de cachoeira em Carrancas, sul de Minas Gerais.

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