Tudo que você precisa saber sobre escalada em boulder e tinha vergonha de perguntar
Você, a parede, e toda sua potência e destreza concentradas em apenas alguns movimentos precisos no limite da capacidade humana. Isso é a escalada em boulder. Simples. Direta. Intensa.
Das suas origens como mera ferramenta de treinamento até a modalidade mais disputada nos campeonatos de escalada esportiva, o boulder representa hoje o esporte tanto quanto as vias guiadas ou a escalada tradicional. Ele conquistou seu merecido espaço por ser versátil, desafiador, acessível e incrivelmente divertido.
Quer começar a escalar boulder? Descubra abaixo um pouco mais sobre essa modalidade da escalada. Os boulders já fazem parte da sua rotina? Então leia algumas dicas que podem aumentar sua performance e ajudar a evitar uma lesão!
Boulder: o que é e como surgiu
O boulder é uma modalidade de escalada praticada em pequenas formações rochosas ou paredes artificiais, sem o uso de material tradicional de proteção, como cordas, cadeirinha ou mosquetões. Pela sua pequena dimensão (normalmente não passando dos cinco metros de altura), a escalada em boulder costuma ser mais intensa física e tecnicamente do que em vias mais longas. O boulder exige poucos movimentos, mas de alto nível de habilidade.
Faz bastante tempo, ali pelo final do século 19, que tivemos os primeiros registros da prática de boulder. Os montanhistas europeus descobriram que praticar esses movimentos específicos em pequenos blocos próximos ao chão era um ótimo treinamento; assim, eles conseguiam lapidar a técnica e ganhar força para enfrentar os desafios de escaladas mais longas em alta montanha.
Poucas décadas depois, na primeira metade do século 20, a área de Fontainebleau, na França, se estabeleceu como um dos principais destinos de escalada na Europa, principalmente por seus inúmeros boulders. Foi aí que começou a surgir a primeira leva de atletas que se especializaram nesta nova modalidade; uma dessas pessoas foi Pierre Allain, ícone do esporte e inventor da sapatilha de escalada.
Pierre Allain com amigos em Fontainebleau, 1938
Porque todo mundo só fala disso?
Existem muitos motivos para a popularidade do boulder.
Em primeiro lugar, e talvez o mais importante, ele é divertidíssimo. Dada a sua variedade, ele acaba exigindo muitos movimentos incomuns do esporte, e uma bela dose de criatividade na hora de “decifrar” a melhor forma de vencer o problema. Não que escalar vias maiores seja chato, é claro – Mas, se o que você quer é o desafio físico e criativo da escalada, sem precisar lidar com cordas e costuras ou o estresse mental da altura, então boulder é a solução!
Pela sua simplicidade, ele também é acessível. Muitos iniciantes na escalada se assustam quando vêem os preços dos produtos relacionados à escalada, o que pode levar à ideia errada que este é um esporte de elite. Quem escala há algum tempo sabe que isso está longe da verdade – Depois do investimento inicial em equipamento de segurança, escalar fica tão caro quanto uma mensalidade de academia, se você frequenta um ginásio, e bem menos que isso, se sua pegada é o outdoor.
Para praticar boulder, você não precisa nem disso. Uma boa sapatilha, uma bolsa de magnésio e um crash pad (que pode ser comprado coletivamente entre amigos) e você tem tudo que precisa para escalar pela próxima década. Esqueça cordas, cadeirinha, mosquetões, costuras, freios, proteções… Boulder é você e a parede, e nada mais.
Uma bela caverna de boulder em um ginásio de escalada
E por último, o boulder é uma atividade mais social que escalar vias. Como as tentativas são rápidas e a altura é pequena, a rotina mais comum de um dia de boulder com os amigos envolve chegar no problema, se acomodar, conversar um pouco, se revezar nas tentativas, conversar um pouco mais, tentar mais um pouco, relaxar, comer alguma coisa, escalar, relaxar de novo…
Em comparação, escalar uma via normalmente significa estar pelo menos a 10 metros de distância do seu parceiro e passar mais tempo na parede do que embaixo conversando. Não que escalar uma via longa signifique ficar calado e solitário: compartilhar uma cordada desafiadora na rocha com alguém é uma das atividades mais íntimas e definidoras de relação que eu conheço. Mas é difícil de negar que o boulder é a modalidade mais relaxada e descontraída do esporte – sem que isso queira dizer menos desafiadora.
Dicas importantes para escalar boulder como um campeão
Se você já escala boulder ou está querendo começar, temos algumas dicas para tirar o máximo da experiência e evitar se machucar. Você cai muito mais vezes de um boulder do que de uma via tradicional, e mesmo que a altura seja pequena, um descuido pode significar facilmente um tornozelo torcido ou lesão parecida. Vamos lá:
1 – Nunca pule o aquecimento: “aquecer” na escalada significa duas coisas: a primeira é aumentar batimentos cardíacos e temperatura corporal (ficar com o “corpo quente”) com exercícios simples como corrida, pular corda ou fazer polichinelos; chegar no ginásio pedalando também resolve. E a segunda é aumentar a dificuldade aos poucos, explorando movimentos simples para ativar de forma progressiva as articulações principalmente dos dedos, pulsos, e ombros. Ir direto para o boulder mais difícil do dia com o corpo frio é um grande erro. Você vai escalar pior do que sua capacidade e aumentar muito a chance de uma lesão.
2 – Conheça seu nível: isso não significa não tentar desafios maiores conforme cresce sua habilidade. Escalar é testar seus limites, todo mundo sabe. Mas aumentar o grau de dificuldade aos poucos é uma boa estratégia para não forçar o corpo em movimentos incertos e evitar quedas desnecessárias. Isso é mais verdade ainda no começo do dia, com o corpo ainda esquentando.
Janja Garnbret na Copa do Mundo IFSC de Boulder 2018
3 – Esteja atento ao seu redor: escalar é uma experiência intensa, mas não esqueça do mundo quando estiver na parede. Preste atenção nas pessoas próximas ou abaixo de você, principalmente quando for fazer um movimento mais difícil. Na rocha, esteja alerta com a vegetação ao redor, tanto para não se machucar caindo nelas quanto para não danificar alguma planta por acidente. Avise seu parceiro que está fazendo sua segurança o que pretende fazer e quando acha que existe risco de queda.
4 – Aprenda a cair: todo mundo que pratica boulder aprende a cair mais cedo ou mais tarde, mas é melhor aprender logo e do jeito fácil do que do jeito que você para no hospital com uma lesão e passa os próximos quatro meses sem escalar. Quedas inesperadas ocorrem, é claro, mas na maioria das vezes você sabe onde são os pontos mais críticos de cada problema, com maior chance de cair. Quando acontecer, saiba onde está o crash pad e caia de pé, com as pernas levemente dobradas, bem no meio dele.
Se não tiver ninguém pra te dar seg, é bom improvisar
5 – Trabalhe técnica antes que força bruta: boulder é um esporte criativo. Ao invés de se queimar tentando o mesmo movimento em um crux uma centena de vezes, explore as possibilidades, peça betas de escaladores experientes, trabalhe seus pontos fracos.
6 – Tudo bem “roubar” um pouquinho: algumas vezes, um projeto de boulder pode demorar várias sessões para ser conquistado, ou até meses ou anos. Um pouco de ajuda pode ser essencial para você entender e explorar o problema até conseguir escalá-lo sem auxílio. Você pode empilhar alguns pads para ficar mais alto e pular os movimentos do começo para salvar energia para o crux acima. Seu “seg” (a pessoa que dá segurança) pode tirar um pouco do seu peso te empurrando para cima pela cintura ou quadris, para te ajudar a entender o movimento e as sutilezas daquele boulder. Depois de dominar os moves necessários, você eventualmente fará todo o trabalho sozinho – que é o objetivo final, é óbvio.
7 – Saiba dar segurança para quem está escalando: se você está acompanhando e dando segurança para alguém, faça direito. Não converse com outras pessoas, fique sempre com as mãos levantadas e preste atenção a obstáculos nos arredores (vegetação, pedras, outras pessoas) e não esqueça de ajustar o colchão conforme a pessoa se move pelo boulder. Lembre-se que sua tarefa é endireitar a queda do escalador para que ele aterrisse primeiro com os pés, e no centro do crash pad. Uma dica: deixe os dedões juntos ao resto da mão, para evitar torcê-los para trás ao tentar aparar uma queda.
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