Escalada nas Olimpíadas: como será a competição e o que já mudou por causa dos Jogos
A Escalada Esportiva fará sua estreia nas Olimpíadas de Tóquio de 2020.
A notícia não é nova para o mundo de escalada, que sabe disso desde 2016, quando o Comitê Olímpico Internacional (COI) declarou a lista dos cinco novos esportes a serem incluídos nesta edição (surfe, skate, karatê e baseball/softball também entraram).
A notícia foi recebida com entusiasmo – talvez até pequenas doses de euforia – por muitos atletas e fãs do esporte. Dois anos se passaram desde então, e agora faltam menos de dois anos para esse evento que deverá influenciar muito a popularidade e a atenção da mídia que a escalada tem hoje.
O que podemos esperar desses jogos olímpicos? Como as modalidades vão funcionar? O que já mudou para a escalada no Brasil?
O “triatlo” da escalada
A Escalada terá três modalidades: Dificuldade (ou lead), Boulder e Velocidade (ou speed). Isso já é padrão nas competições internacionais da IFSC (International Federation of Sport Climbing), órgão máximo do esporte, e modelo que também seguimos por aqui pela ABEE (Associação Brasileira de Escakada Esportiva), mesmo que nem sempre o formato da velocidade seja incluído.
A novidade é que para as Olimpíadas, ao invés de um vencedor para cada modalidade, a medalha de ouro irá para o melhor colocado em um combinado entre as três – como acontece no pentatlo e decatlo.
Entenda as três modalidades:
- Dificuldade: os atletas sobem por uma parede artificial de no mínimo 15 metros de altura, com tempo limite de 6 minutos e movimentos e agarras de crescente dificuldade. Vence o que chegar mais alto antes de cair. O tempo conta como critério de desempate caso dois ou mais escaladores completem a via ou sofram uma queda no mesmo ponto. É o modelo mais tradicional de escalada, que simula os desafios encontrados na rocha.
- Boulder: modalidade extremamente técnica e criativa, o boulder é uma parede curta, de no máximo 4 metros, que o atleta enfrenta sem proteção (apenas o piso é acolchoado). Vence quem completar os quatro desafios apresentados em menos tentativas. É uma das modalidades mais emocionantes e dinâmicas de se assistir, que exige muita técnica, força e criatividade do atleta.
- Velocidade: parede vertical de 15 metros, com agarras mais fáceis e padronizadas. Vence quem bater no sensor eletrônico no topo da parede primeiro. Os tempos de atletas finalistas costumam ficar entre cinco e seis segundos entre os homens, e sete a oito entre mulheres. Diferente do boulder ou da dificuldade, duas paredes idênticas são montadas lado a lado e dois atletas partem juntos, num esquema mata-mata. Uma partida falsa ou uma queda são desclassificação automática.
A Polêmica da Velocidade
Essa nova classificação combinada das três categorias mudou a rotina de treino dos atletas que pretendem competir nas Olimpíadas, que agora precisam dividir seu tempo e energia para abranger todas as modalidades, quando antes o mais tradicional era especializar-se em apenas uma.
A transição entre boulder e dificuldade não é tão incomum, já que as características exigidas são parecidas: força corporal, é claro, mas também resistência, técnica, agilidade mental e criatividade.
Velocidade é uma categoria bem diferente. O biotipo do atleta é explosivo, de mais massa corporal e força bruta. Curiosamente, a distribuição dos países nos quadros classificatórios das competições de velocidade costuma ser parecida com as de levantamento de peso: Rússia, Polônia, Irã, Ucrânia, Indonésia, são todas potências na velocidade, mas são países de pouca expressão na escalada em geral.
É uma modalidade com bem menos praticantes que as outras duas, com menos espaços preparados para treino. O Brasil, por exemplo, ganhou apenas neste ano sua primeira parede de velocidade, na academia Via Aventura, em Curitiba.
Tem gente de peso que não gostou
“É como colocar Usain Bolt para correr uma maratona, e então para saltar obstáculos” comentou em entrevista a atleta britânica Shauna Coxley, bicampeã mundial de Boulder (2016 e 2017)..
O Tcheco Adam Ondra, único homem a ter vencido os campeonatos mundiais de dificuldade e boulder no mesmo ano (2014) – e também o primeiro ser humano a escalar uma via em 9c Fr (13a Br) – também criticou inicialmente a forma do campeonato – mesmo confirmando sua intenção de competir por uma vaga no ano que vem.
A crítica é que atletas top do mundo em boulder ou dificuldade não têm o biotipo ou o treinamento necessários para migrar para a velocidade. De igual maneira, a elite mundial de velocidade tem poucas chances de pódio, já que terão que ampliar sua prática para duas modalidades completamente diferentes.
E porque inventaram esse combinado?
É preciso lembrar sempre que a escalada vai estar nas Olimpíadas de Tóquio de 2020, mas ainda não é um esporte olímpico oficial. Ou seja, não existe garantia que estará nas edições de 2024 ou 28 – mas é um passo fundamental para isso.
O principal fator que levou à inclusão da escalada nessas Olimpíadas foi a crescente popularidade que o esporte vem recebendo do público jovem. As Olimpíadas tem perdido interesse entre as faixas etárias mais jovens (a média de idade do público está acima dos 48 anos), e uma das principais preocupações do Comitê Olímpico é resgatar essa audiência.
A inclusão da escalada – assim como surfe e skate – fazem parte da estratégia do COI para dar uma cara mais atual para os jogos e reverter esse cenário.
Ao mesmo tempo, o COI sofre pressão dentro da entidade para não sobrecarregar as cidades-sede com os novos esportes, que significam mais investimentos em infraestrutura e algumas centenas de pessoas a mais para hospedar na vila olímpica.
A tendência é começar pequeno. O que significa menos medalhas e menos atletas competindo – pelo menos por enquanto.
Thaís Makino, atual campeã brasileira nas três modalidades, concorda:
“Na época a primeira coisa que pensei foi que a escalada está entrando de forma experimental nessas Olimpiadas. E tudo bem. É o primeiro ano, temos que passar por essa fase, mostrar que escalada é um esporte super bacana de ser assistido, um esporte atraente para o público, diferente de qualquer outro. Pelo formato da escalada, como ela é organizada lá fora, o tamanho dos campeonatos, com etapas em vários países diferentes… É um esporte que tem tudo para continuar nas Olimpíadas. Vamos torcer para isso.”
“Você tem que esquecer tudo que sabe sobre escalada”
O campeonato mundial deste ano em Innsbruck foi o primeiro grande teste do novo modelo de classificação olímpico em uma competição oficial da IFSC com a elite da escalada mundial.
O que ficou claro: todo mundo começou a treinar speed. Ainda há uma distância entre o top ranking de velocidade e os tempos dos melhores classificados no combinado geral, mas foi interessante ver grandes nomes da escalada tradicional – Jakob Schubert, Adam Ondra, Janja Garnbret, entre outros – tirando resultados muito bons em uma modalidade que recém começaram a treinar seriamente.
“O que eu percebi nos campeonatos que participei aqui e lá fora esse ano é que está todo mundo empolgado para fazer tudo. De repente é uma coisa boa. No começo todo mundo ficou preocupado porque nunca ninguém tinha feito isso, mas no final pode ser algo legal na competição. Eu pelo menos achei interessante treinar as três modalidades. É um treino variado. A técnica de speed é muito diferente. Você tem que esquecer tudo que você sabe sobre escalada.”
Talvez Thaís Makino tenha um ponto aí. No final, esse novo modelo é um convite para os atletas saírem de sua zona de conforto e ampliarem seu repertório no esporte. Quem sabe que benefícios isso pode trazer para a evolução da escalada no futuro?
E o Brasil tem chance de medalha?
Hum, bem… Vamos com calma.
A melhor colocação que o Brasil já teve em copetições internacionais foi o 15º lugar do paulista Cesar Grosso na Copa do Mundo de Barcelona, em 2009. Em 2018, as melhores colocações brasileiras foram também de Cesar Grosso, que conseguiu uma 55º posição em velocidade, e Thaís Makino, que ficou em 73º lugar em dificuldade nas classificatórias para o campeonato mundial.
O nível mundial ainda é muito alto e apenas recentemente o Brasil começou a se organizar melhor para a escalada competitiva, com a criação da ABEE em 2014 e a padronização de um calendário de competições que acompanha as tendências e o calendário mundial. Thaís comenta:
“Quando saiu a notícia que a escalada ia entrar nas Olimpíadas, eu fiquei bastante feliz, claro, mas também apreensiva, porque aqui a ABEE estava começando a andar, sendo criada em 2014, era muito nova. Mas o fato é que o COB (Comitê Olímpico Brasileiro) tem dado muito suporte para a ABEE e para esportes novos nas Olimpiadas.
Realmente tem muito trabalho e quem tem feito tudo isso é a Janine Cardoso e o Raphael Nishimura, com ajuda de outros, é claro. Eles estão conseguindo inscrever projetos junto ao COB para receber verba para podermos desenvolver iniciativas com os atletas e com o esporte aqui no Brasil, como cobrir os custos de viagem para as competições internacionais.
O potencial que o Brasil tem dentro da escalada é grande, e nossos atletas estão apenas começando a despontar no cenário mundial. Vale torcer para que alguém consiga ao menos se classificar para os jogos, lembrando que serão apenas 20 homens e 20 mulheres que competirão nas Olimpíadas.
Este ano, os principais nomes da escalada brasileira e parte da seleção da ABEE são Jean Ouriques, Pedro Nicoloso, Felipe Ho e Cesar Grosso no masculino, e Thais Makino, Camila Macedo, Luana Riscado, Patrícia Antunes e Bianca Castro no feminino.
Vamos acompanhar de perto como nossos atletas evoluem até lá.
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