Thaís Makino: uma tarde com a número 1
Uma conversa com Thaís Makino, atual campeã brasileira de escalada, atleta da seleção brasileira e uma das favoritas para levar tudo em 2019
Chegamos um pouco mais cedo no nosso ponto de encontro, eu, minha filha de três anos e meu irmão mais velho, que serviria de babá para a tarde.
A Fábrica Escalada é o mais novo endereço em São Paulo de escalada indoor e o atual centro de treinamento de Thaís Makino. Como parece ser o costume em ginásios do tipo, a fachada é discreta, apenas uma porta dando pra rua, sem indicação nenhuma do que acontece lá dentro. Entramos.
Depois de atravessar um longo corredor com paredes desenhadas, fomos atendidos por Carlitos, um cara de ombros e braços grandes, cabelo comprido e óculos de aro grosso. Com a camiseta amarela e o boné, parecia saído de um desenho animado, ou talvez de uma barraca de camping do Camp 4, em Yosemite. Falava forte mas simpático, com jeito de dono: “Então, a gente não recebe criança, só a partir dos 10 anos, e olhe lá… Aqui é só boulder, não temos corda de segurança, nem teria muita coisa para ela brincar por aqui. A Casa de Pedra Moema tem um espaço voltado para crianças, é bem legal e fica perto daqui, vou te mostrar:”
E virou a tela do computador do balcão para mim e fez uma rápida busca de imagens do Google. Em cinco segundos apareciam muros de escalada que me fizeram lembrar o Parque da Mônica: um simulava uma escada retrátil de caminhão de bombeiros, outro uma teia de aranha, outro um monte de bolas coloridas. “O nosso foco aqui é outro, é treinamento, é galera que escala mesmo… Você veio falar com a número 1!“
Carlitos tinha razão. Despachei minha filha para a Casa de Pedra com o tio e entrei no espaço da Fábrica esperar a Thaís. Para minha sorte, ela não seria o único membro da família Makino que eu encontraria hoje.
O espaço da Fábrica Escalada, especializado em boulder.
Conheça os Makino
Eu já sabia que a família Makino respira escalada. Mas não esperava encontrá-la quase inteira no ginásio naquele domingo. A Thaís ainda não havia chegado, mas entre os grupos de jovens atléticos de peito nu e mãos brancas de magnésio, havia uma figura que poderia parecer deslocada, se não fosse o olhar tranquilo resultado de anos de experiência em ginásios como aquele. Goro Makino, o pai da campeã, já escalava antes de muitos dos visitantes do espaço terem nascido.
Ele estava no fundo, regata preta e shorts branco, cabelo curto e escuro que resistia em se entregar ao grisalho. Se distraía com um boulder novo que os route setters (esse pessoal sádico que decide onde e como posicionar as agarras nas paredes nos ginásios) haviam armado. Chegava, apoiava um pé, explorava as agarras, apoiava o outro, mas rapidamente perdia a aderência e voltava para o colchão. Não insistiu muito e foi descansar em um dos pufes. Foi quando me aproximei.
“Oi, com lincença, você é o Goro? Pai da Thaís Makino?”
Ele olhou para trás e abriu um sorriso de pai orgulhoso. Começamos a conversar.
Foi durante um passeio por São Bento do Sapucaí que a família Makino descobriu a escalada. As irmãs Ana Luísa e Thaís, então com 12 e 7 anos, viram pela primeira vez um grupo de escaladores enfrentando uma das vias do Complexo do Baú. Analu se impressionou muito com aquele bando de malucos subindo as paredes de rocha amarrados por cordas, e quis experimentar.
Muitos pais poderiam ter considerado isso como mais uma curiosidade da viagem, se afastado do grupo e procurado uma praça para tomar sorvete. Mas Goro não.
O pai foi logo procurar um curso de escalada para a família experimentar o esporte. Em pouco tempo o bichinho da escalada mordeu a todos, e os Makino nunca mais deixaram de subir pelas paredes.
A irmã mais velha, Ana Luisa, foi campeã brasileira em dificuldade duas vezes antes de Thaís assumir o posto. Hoje, aos 35, ela ainda escala em alto nível e escreve para o site de escalada Desce Daí Doido!. O pai, que conheceu a escalada aos 40, hoje compete na classe sênior (+45) e já foi campeão na categoria. A mãe, Mieko, que era enfermeira, hoje trabalha em um ginásio de escalada em São Paulo. A relação da família com a escalada inspira e impressiona.
A família brinca que Luísa, filha de Analu e sobrinha de Thaís, quase aprendeu a escalar antes de andar. Quando dava mostras de querer ficar de pé e dar os primeiros passos, Goro, o vovô babão, instalou uma mini-parede de escalada no quarto da criança. Claro que virou o brinquedo do bebê, que se apoiava nas agarras para se firmar, e em pouco tempo começou a escalar e se pendurar pelas bordas. Hoje, a menina Luísa acompanha a mãe em alguns treinos e viagens de escalada, e se aventura por ela mesma nos boulders a seu alcance.
Quando perguntado sobre o futuro da neta dentro do esporte, o avô brinca: “não tem pressão nenhuma dela ser escaladora, ela pode ser o que for. Boulder, Dificuldade, Velocidade…. Ela pode escolher o que quiser!“
As duas irmãs e o pai se revezando tentando resolver um dos boulders do ginásio
A rotina de treino
Pouco tempo depois, chega Thaís. Ainda conversando com Goro, consigo perceber algumas cabeças virando enquanto ela percorre os grupos cumprimentando pessoas conhecidas. Talvez seja minha expectativa de entrevistador, mas é possível perceber a vibração no ar: A campeã chegou. Sem querer atrapalhar sua rotina, combinamos de conversar depois do treino. Fui para meu canto e observei.
O treinamento de Thaís é intenso, e só possível com a dedicação dela 100% para a escalada: a base são 3h a 3h30 de prática seis vezes por semana na Fábrica.
Ela brinca: “primeiro eu chego, converso mais de uma hora com todo mundo, e aí vou pro aquecimento”. O foco dela agora é no boulder, considerando a proximidade do campeonato brasileiro da modalidade, dias 26 e 27 de abril. Além do tempo nas paredes e no fingerboard (espécie de barra de exercícios específica para escalada, que serve para fortalecer juntas dos dedos e pulsos, além dos braços), Thaís investe bastante nas rotinas de aquecimento e alongamento.
Fora o dia a dia na Fábrica, ela faz treinamento funcional duas vezes por semana, com foco para trabalhar seus pontos fracos. Visto de fora, o treino funcional parece um tipo de pilates dinâmico, uma série de exercícios de puxar, empurrar, levantar, saltar, e outros movimentos incomuns com o foco em tornar o corpo mais eficiente.
Atualmente ela se prepara sem treinador exclusivo, mas já teve o acompanhamento de Rômulo Bertuzzi, uma das primeiras pessoas no Brasil a levar a escalada para a universidade e dar um enfoque acadêmico sobre o assunto – Hoje, ele é professor no departamento de esporte da USP.
O convite para fazer parte do grupo de atletas de Rômulo (chamado carinhosamente por ele de “cobaias”) aconteceu quando Thaís tinha 13 anos, depois de alguns resultados promissores em campeonatos amadores. “Eu era criança e só tinha que ir na escola, tinha muito tempo livre, então claro que aceitei”. A parceria durou três anos, e foi definitiva para a consolidação da carreira de atleta de Thaís.
A escola de Rômulo focava muito na técnica, em oposição à força bruta: “Ele ensinou a escalar de forma inteligente”. Observando os movimentos de Thaís, se vê que a experiência serviu: enquanto a maioria dos outros frequentadores do espaço lutavam para passar entre as agarras, visivelmente fazendo muita força, ela parece dançar entre os boulders. Seus movimentos são graciosos, precisos, de quem sabe o que está fazendo.
Dá para pagar as contas?
Thaís faz parte, talvez, da primeira geração de atletas brasileiros que conseguem viver de escalada competitiva.
Isso é um avanço fundamental e exemplo claro do crescimento e consolidação do esporte no cenário nacional. Claro, a conta ainda é apertada. Quando pergunto se ela consegue viver só com os incentivos ao esporte, ela relativiza: “quase não dá”.
A entrada da escalada nas Olimpíadas foi fundamental para esse avanço. A proximidade dos Jogos incentivou a ABEE (Associação Brasileira de Escalada Esportiva) a se organizar rapidamente como instituição, e graças ao esforço desse pessoal junto ao Comitê Olímpico Brasileiro os atletas federados podem receber uma bolsa-atleta. Esse incentivo está mais próximo de uma ajuda de custo do que um salário, mas é um passo fundamental para o sonho da dedicação exclusiva ao esporte.
A Fábrica também oferece o apoio cedendo o espaço de treino e também com um suporte financeiro, e nós da SBI Outdoor apoiamos Thaís com todo o equipamento necessário para o esporte.
Claro, para as contas fecharem, ela ainda vive com os pais (que nem é preciso dizer, são grandes incentivadores de sua carreira esportiva) e dá aulas de acompanhamento técnico para escaladores amadores na Fábrica. Mas conseguiu largar no começo do ano o trabalho de assistente de fotografia, o que não são muitos atletas que conseguem fazer.
Futuras gerações
Thaís foi primeira colocada em todas as três modalidades do campeonato brasileiro do ano passado e é uma das grandes favoritas para este ano, mas ela sabe que isso ainda representa pouco para o lugar do Brasil no ranking mundial.
A escalada tem crescido exponencialmente nos últimos anos, e os campeões de agora tiveram que lutar muito contra a falta de estrutura e incentivo para seguir praticando o esporte em alto nível. Para Thaís, este cenário está mudando.
“Eu sinto que estamos preparando o terreno para a futura geração de campeões”.
O Brasil ainda é tímido nos campeonatos mundiais, mas o potencial é enorme para quem está chegando agora no esporte, principalmente a molecada.
“Se você é campeão brasileiro com, sei lá, 16 anos, tem muito para crescer para chegar nos campeonatos mundiais. Se você é campeã com mais de 30 anos como eu, aí é mais difícil”.
Temos que ficar de olho nessa nova geração que está vindo, que vai poder aproveitar todos os benefícios e estrutura de um esporte com projeção olímpica e completamente estruturado.
Uma das promessas brasileiras é Amanda Criscuoli, atleta SBI Outdoor. Hoje com 12 anos, tem mostrado bons resultados na escalada desde os nove. Por menor pressão que haja na família, seria estranho se a própria Luísa, sobrinha de Thaís, não se tornasse uma escaladora de alto nível, dado o tempo que todos os Makino gastam em ginásios de escalada.
Exitem outras crianças por aí, com menos projeção midiática mas com pleno potencial para se tornarem campeões brasileiros e lutarem para subir no ranking mundial.
Já caminhávamos para o fim da nossa conversa quando vejo meu irmão com minha filha de volta. Ela estava elétrica como só uma criança de três anos que passou a tarde escalando poderia estar. Enquanto contava, à sua maneira, as aventuras na Casa de Pedra, dei uma boa olhada paterna para ela, e de canto de olho, para Thaís.
Quem sabe, minha Zoé não pode seguir o caminho que os campeões de agora estão abrindo?
Ela, uma futura campeã, e eu, um pai orgulhoso como Goro? Quem sabe?
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