Precisamos falar mais sobre mulheres na escalada

Precisamos falar mais sobre mulheres na escalada

Precisamos falar mais sobre mulheres na escalada

Hoje é 8 de março, Dia Internacional da Mulher.

Nada de flores ou fotos bonitas com frases de efeito para compartilhar nas redes sociais. Para viver bem o dia de hoje – dia de luta e conquista – resolvemos explorar um fenômeno que todos já perceberam que vem acontecendo nos ginásios e na rocha, mas ainda tem pouca gente falando sobre isso:

As mulheres estão mandando muito na escalada.

É provável que você (homem ou mulher) já tenha notado. Se frequentou ambientes de escalada nos últimos anos ou acompanha as notícias da mídia especializada, percebeu que existem cada vez mais meninas escalando, e escalando bem. Os campeonatos femininos estão cada vez mais disputados, e saem quase tantas matérias sobre primeiras ascensões, graus inéditos e outras conquistas alcançadas por elas do que por eles.

Conversei com três escaladoras de peso para começar a entender este processo. São personagens que estão na linha de frente contribuindo muito para o crescimento do esporte, em todos seus aspectos.

Só posso agradecer a atenção que elas me deram em nossas conversas, e admirar a determinação de cada uma em seguir seus sonhos e contribuir com o que amam. Esse dia é delas, também.

As três guerreiras:

Janine Cardoso é diretora de planejamento da Associação Brasileira de Escalada Esportiva (ABEE) e atleta com 25 anos de experiência no esporte e 10 títulos brasileiros de escalada. Trabalha muito organizando as principais competições do país e dando toda a ajuda à seleção brasileira nas competições internacionais e na preparação dos atletas para as Olimpíadas. Você pode acompanhar o trabalho da Janine no site da ABEE e seguí-la no Instagram.

Mônica Filipini é devoradora de pedras de São Bento de Sapucaí e uma das maiores referências em escalada tradicional do Brasil. Escala há mais de 20 anos e apresentou no ano passado sua palestra sobre a história da escalada feminina no Brasil no evento Adventure Sports Fair. É uma das personagens do incrível documentário Mulheres são Montanhas, de Renata Calmon. Você encontra a Mônica no Instagram.

Thaís Makino é atual campeã brasileira de escalada e um dos principais nomes brasileiros para as Olimpíadas de Tóquio de 2020. Paulistana, escala desde os nove anos e arrasa tanto no boulder quanto nas vias esportivas. Atleta SBI Outdoor, já apareceu por aqui para falar sobre a entrada da escalada nesses jogos olímpicos. Você pode ver seu perfil aqui no blog e acompanhá-la no Instagram ou no Facebook.

 

RIO DE JANEIRO – 18/12/2018 – PREMIO BRASIL OLIMPICO – Teatro Bradesco – A destaque e ex-atleta Sandra Pires entrega o prêmio Thais Makino da Escalada Esportiva.©Wander Roberto/COB

 

A escalada feminina no Brasil

“Quando comecei a escalar, existiam pouquíssimas mulheres escalando montanha. Você tinha os grandes nomes, Roberta Nunes, Juliana Petters, Katia Torres, mas na prática, quando você ia para a montanha era um universo dominado por homens. Hoje isso mudou, em vários sentidos. Existem mais duplas femininas escalando, cordadas só de mulheres assumindo o compromisso de fazer as vias e projetos – existem mulheres quebrando barreiras no esporte.”

Mônica Filipini não está sozinha. Se você pesquisar nas principais mídias especializadas do mundo, vai perceber que o crescimento do público feminino no esporte não passou despercebido. Elas estão escalando e arrasando desde sempre, é claro, mas é inegável que há cada vez mais mulheres no esporte, no mundo todo, e essa tendência se acentuou nos últimos anos.

“De fato, eu vejo um crescimento considerável de mulheres hoje nos ginásios, e um movimento cada vez mais crescente. Teve campeonato no Pro que tinha mais mulher inscrita do que homem”, concorda Janine Cardoso, da ABEE.

Há razões para isso. Podemos começar falando das expressivas conquistas feministas das últimas décadas: a entrada no mercado de trabalho, a luta pela igualdade de direitos e oportunidades, uma divisão mais igualitária das tarefas domésticas e de cuidado com os filhos. Esses avanços também levaram as mulheres a sair mais de casa e praticar mais esportes.

É possível relacionar também a uma maior valorização na sociedade de hábitos considerados saudáveis: o tabagismo está em queda, o consumo de vegetais aumentou, existem cada vez mais políticas públicas para evitar o sedentarismo – tudo isso é um estímulo para a prática esportiva.

Sim, no mundo todo e em todos os esportes, a participação feminina tem crescido em comparação com a masculina.

Mas não é só isso. Por algum motivo, esse fenômeno pode ser observado com mais força dentro da escalada.

Pare para pensar: um dos maiores ídolos do esporte de todos os tempos é uma mulher, Lynn Hill. A pessoa mais jovem a conquistar a graduação máxima de um boulder (V15) é a menina Ashima Shiraishi, com apenas 14 anos na época. As conquistas femininas alardeadas pela mídia parecem sempre muito próximas ao nível máximo masculino. A impressão é que não vai demorar para alguma menina mandar algo tão difícil quanto o Silence, de Adam Ondra.

No final das contas, a distância no desempenho entre homens e mulheres não é tão grande assim na escalada. Thaís Makino explica:

“Isso acontece por a escalada ser um esporte democrático. Pessoas de idades muito diferentes conseguem alcançar desempenhos muito bons, tanto em competição quanto na rocha. Existem muitos estilos de escalada, muitas variantes. Pessoas de idades variadas, biotipos variados, conseguem ter performances semelhantes”

E é verdade. Não dá pra falar que homens e mulheres estão em pé de igualdade (mesmo desconsiderando a típica maior altura e massa muscular dos homens, temos que lidar com séculos de “esporte é coisa de menino”), mas as mulheres estão fechando a distância, ano a ano. Janine admite que na categoria velocidade a diferença ainda é grande, mas no resto a história é outra:

“Em boulders e vias, tem mulher que vai tão bem quanto homem. Depende do estilo da via; se é uma via eclética, a mulher pode chegar junto sim”.

 

Machismo na escalada?

“Assim como no resto da sociedade e em outros esportes, tem machismo ainda dentro da escalada. Principalmente aquele machismo que é tão enraizado que ninguém percebe”. Thaís Makino é bem transparente quando entramos no assunto da convivência entre os gêneros no esporte: ainda há muito trabalho pela frente.

Converse com qualquer amiga escaladora, de qualquer modalidade. O mais provável é que ela vai ter pelo menos uma história de babaquice masculina dentro do esporte. Um comentário infeliz, um beta não requisitado, uma cantada barata, um contato corporal desnecessário. Não se enganem. Tudo isso é machismo.

A campeã brasileira dá seus exemplos:

“Percebi que tem muitos caras que pensam que a mulher escala pouco mesmo antes de conhecer. Eles vêm dar dicas de segurança, dicas de escalada sem ninguém ter pedido… E às vezes a mulher sabe mais que o cara! Mas tem esse monte de gente que pressupõe que sabe menos, só por ser mulher”.

Já vi muito em ginásio esse negócio de cantada. A menina nova chega no ginásio sozinha para escalar e tem 10 caras para “ajudar”. Muita menina não gosta disso, ela foi lá só para escalar, se sente intimidada e acaba não voltando. Anos atrás, vi muita menina deixando de escalar porque não encontrava uma parceira feminina ou porque os caras ficavam enchendo o saco”.

Por esses motivos, muitas escaladoras perceberam a importância de estimular uma maior participação feminina na escalada, e pensar em maneiras de acolher melhor as meninas que estão se iniciando no esporte. Turmas de mulheres funcionam como um grupo de apoio, onde todas podem se sentir mais à vontade para errar, aprender e se divertir como bem entendam.

A escaladora Harlet Riddley explica o que sente nesses grupos, em um artigo para a revista Rock & Ice:

“Muitas escaladoras descobrem mais confiança e evoluem melhor na companhia de outras mulheres. (…) Escalar com outras mulheres pode ajudar a nos mostrar do que somos capazes, e em um esporte dualmente atlético e psicológico como a escalada, isso não tem preço.”

Se isso é verdade na escalada esportiva, praticada em ginásios e em ambientes mais controlados, mais ainda é na escalada tradicional, de alta montanha. Tanto que incentivar a participação feminina na escalada tradicional virou uma das principais missões de Mônica Filipini.

“Você vê mais mulheres escalando, sem dúvida. Mas a escalada tradicional é uma modalidade que ainda é muito mistificada em relação ao perigo, ao desgaste físico, etc. Isso é uma coisa que eu falo muito com as meninas: de mulher apoiar mulher a começar a escalar, trazer as meninas para a montanha, passar os ensinamentos, estimular as cordadas femininas. Quando for ao setor de escalada, procure mulheres para escalar, dê visibilidade para as cordadas femininas, vibre com as conquistas femininas”.

Parabéns, meninas.

 

Iniciativas no Brasil e mais informações sobre escalada feminina

Se você faz parte desse nobre grupo de milhares de meninas que começaram ou querem começar a escalar, existe muita informação por aí para te ajudar.

O site Mulheres na Montanha reúne dezenas de entrevistas e relatos com grandes escaladoras brasileiras, além de organizar o evento Invasão Feminina, que reúne todos os anos mais de uma centena de mulheres decididas a escalar juntas em homenagem ao Dia Internacional da Mulher.

De forma parecida, o coletivo paulistano Minas no Boulder organiza encontros rotineiros em São Paulo focados no público feminino. Co-criação de Thaís Makino, a ideia do projeto é oferecer um ambiente acolhedor e inclusivo para que todas se sintam à vontade para treinar e experimentar o esporte.

Outro grupo de São Paulo que trabalha para fortalecer a confiança e autonomia das mulheres através da escalada urbana é o Coletivo Cidadelas.

A revista de escalada americana Rock & Ice tem um artigo com uma lista com recursos online sobre escalada feminina e conselhos sobre como entrar ou organizar redes femininas de escalada. Na verdade, eles têm uma seção inteira do site voltada para o tema, o Chick’s Corner.

Outra publicação internacional de peso, a Climbing Magazine, reúne dezenas de artigos sobre a questão de gênero dentro da escalada. Eles abordam desde as conquistas femininas mais recentes no esporte até o difícil tema do assédio sexual na comunidade da escalada.

Acréscimos do leitor Rafael Rodrigues (valeu Rafa!):

Acho importante citar os documentários Elas na Pedra (Escaladaint)  e  Amigo Imaginário (Oswaldo Baldin). 

Elas na pedra foi o primeiro documentário produzido apenas com escaladoras no Brasil e seu objetivo era motivar e mostrar a força e garra das mulheres no esporte.

Amigo Imaginário venceu o Rio Mountain Festival 2013 com a historia da primeira conquista de uma via por um time inteiramente feminino em Pancas-ES.

O TPM – Treino para mulheres. Idealizado pela escaladora Camila Macedo que em pouco tempo ganhou repercussão nacional e cada região criou a sua própria versão do TPM.

São 3 exemplos que vieram antes das iniciativas citadas e tiveram uma grande repercussão no Brasil.

 

Mônica Filipini e Danielle Pinto no documentário de Renata Calmon  “Mulheres são Montanhas”

 

E você, escaladora, o que acha?

Confesso que fiquei empolgado com o tema do texto, mas até agora tenho receio de não ter conseguido abordá-lo direito. Acho que o crescimento da participação feminina na escalada é um fato muito bem-vindo para o esporte. Já li e ouvi histórias de machismo no ambiente de escalada e sei que é dever de todo mundo que o esporte seja o mais receptivo, respeitoso e igualitário para todos.

Mas eu não sou mulher, e hoje o dia é de vocês. Queria ouvir o que acham. Sobre como é ser uma escaladora no Brasil, tanto amadora como profissional. Sobre como se sentem no ambiente de escalada. Sobre a luta, a garra e a coragem dessa mulherada bruta que escala.

E aí, o que vocês acham?

Felipe Fontes

Ciclista apaixonado, escalador iniciante e jornalista nas horas vagas. Largou tudo e viveu em sua bike por três anos, desbravando 18 estados brasileiros e 13 países em dois continentes. Hoje vive de tomar banho de cachoeira em Carrancas, sul de Minas Gerais.

5 Comentários

Rafael Publicado em1:36 pm - mar 8, 2019

Boa tarde!
Acho importante citar os documentários Elas na Pedra (Escaladaint) e Amigo Imaginário (Oswaldo Baldin).

Elas na pedra(https://youtu.be/usdsH4iqTe0) foi o primeiro documentário produzido apenas com escaladoras no Brasil e seu objetivo era motivar e mostrar a força e garra das mulheres no esporte.

Amigo Imaginário (https://vimeo.com/78120292) venceu o Rio Mountain Festival 2013 com a historia da primeira conquista de uma via por um time inteiramente feminino em Pancas-ES.

O TPM – Treino para mulheres. Idealizado pela escaladora Camila Macedo que em pouco tempo ganhou repercussão nacional e cada região criou a sua própria versão do TPM.

São 3 exemplos que vieram antes das iniciativas citadas e tiveram uma grande repercussão no Brasil.

Att,
Rafael

    Felipe Fontes Publicado em6:23 pm - mar 8, 2019

    Opa Rafa! Nossa, obrigado pelos acréscimos! A gente tenta pesquisar o máximo possível sempre e conversar com o máximo de pessoas para os textos do blog, mas é difícil que não escape algumas coisas de vez em quando. Já coloquei suas dicas na matéria, e fique sempre à vontade para dar toques assim! Abraços!

      Rafael Publicado em8:09 pm - mar 8, 2019

      Boa! A escalada tem crescido muito nos ultimos anos e acho que tem muito mais iniciativas como essas espalhadas por todo Brasil. É muito difícil conseguir acompanhar todas!
      Abs e bom fim de semana!

Monica Publicado em5:26 pm - mar 8, 2019

Muito legal, só tem.um.erro, o nome da escaladora é Juliana Petters e não Bianca.
Bjo enorme!

    Felipe Fontes Publicado em6:21 pm - mar 8, 2019

    Oi Mônica! Obrigado pelo toque, tinha acabado de comentar algo sobre a escaladora Bianca Castro e rolou o ato falho! Já está corrigido na matéria.

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